terça-feira, 21 de junho de 2011

O Mercador de Prazeres_Tomo IV



IV

Mas então meu caro Danubios, perambulando pelas vias terrenas...Acabou encontrando o tal do amor? - perguntou Lúcifer em tom de asco.
 − Sim mestre. - respondeu Danubios, que passado o tempo da surpresa agora se dirigia a ele sério e de peito erguido. - Sinto algo resgatado em mim. Desafiei a sua ordem, fui contra a lei natural de nosso destino e sacrifiquei quem fui por algo, por um prazer a muito tempo esquecido por nós. Sacrifiquei a minha arrogância e ultrapassei os limites do meu ser e de todas as dimensões  (estruturadamente criada pela nossa razão imaginativa e caótica) para tentar lembrar nem que fosse por um minuto a primeira razão por termos nascido... - Desabafou Danubios.
− Pois isto que sente se quer é paixão. - desafiou Lúcifer. - Duvidar, questionar, refletir é ego, é intelecto longe do intuitivo, puro e primitivo. O que você sente não é amor humano, por que este sentimento só pode ser divino, e você meu caro sabe tanto quanto eu que não somos divinos.
−Engana-se mestre, sei que não somos mais divinos, mais ainda estamos aqui. Não busco redenção. Só estou cansado de negociar prazeres, eu queria buscar o meu próprio desta vez. E mesmo não sendo uma razão nobre, ainda assim consegui alcançar este objetivo.
− E como você saberia que isto que sente é o amor? - indagou o anjo de luz.
− Não foi difícil de perceber depois de passar tanto tempo convivendo com eles. - respondeu pegando um caderno de dentro do seu terno. - Irei ler um trecho de minhas anotações sobre o que aconteceu entre mim e ela há uma semana, mas antes devo lhe dizer que tive um relapso de memória e lembrei-me de meus gloriosos tempos de anjo - disse ele suspirando. - Lembrei-me de estar ao lado Dele enquanto criava as suas obras e foi aí que pude ter certeza do que eu sentia.
− Muito bem, você se lembrou daquela época não? Quando os preciosos humanos estavam prestes a ganhar este sistema dimensional para eles - exclamou o anjo de luz. - Mas não enrole e leia o que escreveu, pois ainda temos muito que conversar.
− Pois então escute - exclamou Danubios que começou a relatar as suas anotações.
   Não sei, não tenho certeza... Porém, eu como um anjo caído, negociador da vida humana e maduro para as intelectualidades do homem cético e religioso consigo perceber a divindade da mulher humana outrora transvestida de anjo puro e agora minha parceira mundana.
   Lembrei-me que estava presente quando vi a sua alma entrar na escultura de barro e esterco... Ela e eu vimos o Ser de energia cósmica lhe talhar como um artesão. Esse Ser como todo artista é imperfeito e de ego muito alto. Ela hiperativa não aguentava ver o artista de paciência peculiar trabalhando em mais uma de suas bilhões de obras-primas. E eu dizia: “Este há de ser a obra-prima de todas as obras-prima então.” Eu observava a peça encantada tal como um filho de luthier observa o pai mestre que de geração em geração passa para aos seus descendentes a técnica particular da construção e da criação de um instrumento.

   Pronto. Ele talhou o instrumento, sua obra e a afinou. E vi descontente o dono da sensata, tocar insensatamente sua obra. Logo Ele passou para um outro trabalho. E eu peralta que sou gostei muito daquele objeto musicante e logo renunciei o mundo divino para poder toca-lo.
   Eu sabia que esta alma ainda não estava perfeita e queria conserta-la. Não por que eu achava o nosso Pai incapaz, mas porque sabia que ele não teria tempo, já que ainda precisava criar outras milhares de obras.
   Eu então renunciei as minhas asas para aperfeiçoa-la, trata-la com carinho e ensinar a poesia e a melodia nada harmônica da vida. E apesar dela ser a peça instrumental a ser aperfeiçoada, foi ela quem acabou descobrindo em mim o som mais melodioso. Ela tocava minhas cordas e me fazia estremecer, balançar, tilintar...
   Ela me fazia ouvir a mim mesmo ressoando em suas mãos delicadas. O meu som era lindo e lírico por que era ela quem me tocava. O meu brilho no palco era maior somente por causa dela. Eu anjo, eu demônio, eu...
− Um bosta iludido... - completou Lúcifer atrapalhando a leitura de Danubios.
         − Como eu dizia - Exclamou furioso Danubios. - Ali estava o que há séculos eu buscava. O que na língua e na vida divina só encontrávamos em um ser e que agora os humanos me ensinavam o que Ele sentia por eles e que já não sentia mais por mim. Era aquilo que eu sentia por ela, aquilo era amor - concluiu.
         − Muito antes de sua revolução meu mestre, eu já havia renunciado as minhas asas de pena por uma dessas criaturas que você sempre odiou - exclamou serenamente desta vez o demônio. - E agora depois de tanto tempo encontrei esta mesma alma perdida. Foi por isso que conseguimos ter tanta sintonia.
       − Realmente foi muita coincidência não meu garoto? Exclamou Lúcifer - Você a encontrou novamente. Mas você sabe que deverá voltar comigo agora e sofrer as consequências de suas traquinagens não é?
       − Sim. Eu queria vê-la feliz, tentei fazer dela uma atriz, achei que isso lhe traria prazer, mas ela não quis, tentei tira-la desta vida, mas ela não queria. Ela estava bem agora por que tinha a mim, pela primeira vez eu não era mais o intermediário da felicidade, eu era a própria barganha, a razão para a sua felicidade, mas agora terei que deixa-la – lamentou Danubios.

     − Anime-se meu caro, afinal você conseguiu o queria. Sentiu por um momento o sentimento puro esquecido por todos nós decaídos. - exclamou Lúcifer - Agora voltemos para descobrir o quanto isso deverá ser tão ruim pra você - e sumiram nas sombras.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Flox_7° e 8° Tom (Conclusão)

A história verde se passa na Inglaterra, durante a Revolução Industrial. Seu tema é a "apatia", e fala da mecanização da vida. É mostrada a forma miserável dos trabalhadores explorados pela indústria têxtil, que não tinham nenhuma perspectiva de vida. A poesia é construída utilizando vocábulos que ligam o corpo humano com a máquina, fazendo uma alusão a mecanização da vida. Esta história, na qual os personagens não têm nenhum anseio além de continuar funcionando, se contrapõe com a da amarela, na qual a protagonista vive em função de um grande sonho e se sacrifica para realizá-lo.

A última história é a preta, e esta apresenta uma conclusão: todo o final de um ciclo anuncia  início de outro. A poesia segue o esquema inverso da poesia branca: os versos começam maiores e vão diminuindo. O tom vai passando de preto para o branco, a cor que iniciou tudo. A história se passa no Japão e fala de mudanças drásticas que anuncia um novo ciclo.

Como pode ter sido observado aqui, as histórias variam quanto ao espaço e o tempo em que acontecem. Tentamos desta forma mostrar que o impulso da evolução (que é basicamente a mudança de um estado para outro) esta presente em todos os povos em todos os tempos; que esta é uma característica inerente da humanidade e que pode ser levada por diversos motivos (os subtemas do livro).






























quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Mercador de Prazeres_Tomo III

III


DANUBIOS, O DEMÔNIO ANTROPOLÓGICO




  Talvez a busca do sentimento amor em si, estivesse sendo feita da forma superficial. Até agora algo que permeava a pele deveria chegar ao coração ou ao cérebro.  Não existe fórmula ou método, só se aprende a amar amando. Foi depois de muita reflexão sobre as suas passagens pela terra que Danubios resolveu dar as suas últimas cartadas. Tentar uma convivência duradoura, um relacionamento com os humanos, ou melhor, com um humano específico. Algo complicado e difícil para ele, mesmo convivendo há séculos conosco.
    
   Imagine que você é um cientista que passou mais da metade da vida estudando os chipanzés e que para entender melhor a vida social e amorosa deles resolve se casar com um chipanzé e conviver com ele todos os costumes que esta nova vida lhe cobra. É mais ou menos assim que Danubios se sentia nesta nova empreitada. Encontrar alguém e conviver com ela até se apaixonar e por fim sentir o amor.
   Era isso. Danubios saltou do alto da estatua e seguiu o seu destino. Ironicamente ele buscou esta pessoa nos lugares considerado imoral. Foi buscar o amor e o profundo nos recintos mais improváveis. Em um prostíbulo. Segundo a sua teoria, a coisa deveria começar do zero, ele teria que convencer alguém desiludido. O sacrifício deveria ser enorme por parte de ambos, o cativo e o cativante se fortaleceriam de forma natural. A esperança do verdadeiro amor nasceria a partir do contraste de raças, de vida, de sociedade, etc.
   Por horas, durante toda a madrugada, era possível ver a sombra de Danubios projetada pelas luzes mortas dos postes e vivas do neon pairando de zona em zona. Mas foi já amanhecendo que ele conseguiu encontrar uma cobaia, ou talvez o seu amor. Esta lhe chamara atenção graças aos seus olhos tristes e sorriso amarelo, e este não era por causas das centenas de cigarros que ela fumava. A fragilidade de sua alma poderia ser sentida a milhares de quilômetros por Danubios, que não hesitou e se aproximou para uma abordagem um tanto quanto diferente para aquela garota de meia beleza e meia feiura.

         − A senhorita tem uma hora disponível para mim? Um peregrino do amor? - disse o demônio transvestido de homem sofisticado e elegante.
−  Claro gatão, para você eu tenho todo o tempo que quiser desde que você tenha dinheiro.
− Assim espero meu...Meu amor - disse Danubios gaguejando.
   Ambos entraram em um hotel vagabundo a um quarteirão do ponto da meretriz. Ela se adiantou até o quarto e logo foi pegando a camisinha de um criado mudo. Ele pediu para que ela tirasse a sua roupa bem de vagar, não como um strep tease, era mais como se estivesse desembrulhando uma peça de cristal rara. Ela então o atendeu. Danubios a possuiu naquele inicio de manhã e antes que o sol amanhecesse a mulher já estava à janela com um cigarro e ansiosa para ver o sol nascer. Enquanto que Danubios sentado a observava contra a luz tímida que aparecia.
− Sabe, foi diferente, você é diferente - exclamou a meretriz com um pequeno sorriso. - Depois de anos nessa profissão esta foi a primeira vez que gozei.
− Será que isso foi um elogio? - se questionou Danubios em voz alta. - Não tenha dúvidas de que você foi diferente para mim também. Quero a partir de hoje ser o seu cliente especial
   A mulher sorriu e ficou a observar o horizonte. Enquanto Danubios se despedia.
Naquela mesma noite Danubios apareceu como prometido. E assim seguiu-se por semanas. Todas as noites eram pagas, mesmo quando não havia sexo. A coisa já estava parecendo mesmo um namoro, a diferença era que Danubios ainda tinha que pagar para conversar. Certa noite:
− Você ainda não me disse com que trabalha Danubios. A julgar pelas suas roupas finas e pela quantidade de dinheiro que já gastou comigo você deve ser bem rico.
− Nem tanto minha querida. Trabalho com vendas. Negócios.
− Que tipo de negócios.
− Dos tipos mais prazerosos - exclamou Danubios.
− Sim, certamente - disse a mulher às gargalhadas.
− E você, minha querida, já teve outros trabalhos menos prazerosos e gozador que este, tem família?
− Bom, meus pais são falecidos e... - ela parou, ficou mais séria e continuou. - Tenho um irmão mais velho que amo, mas que me odeia muito.
− E por quê?  - perguntou Danubios muito interessado.
− Ele é um artista, um ator muito renomado e que me renega como irmã - suspirou. Ele sempre quis que eu me tornasse uma artista, para ele, essa é a profissão mais divina do mundo. Especificamente ele gostaria que eu seguisse uma carreira teatral.
− Mas de fato eu acabei me tornando uma atriz meretriz não é? - deu um pequeno sorriso com lágrimas nos olhos e enxugando-os continuou. - Toda vez que deito com um homem eu finjo sentir prazer, finjo ser sua esposa, sua amante, sua escrava. Eles pagam pela peça e eu lhes dou o meu espetáculo.
− Eu faço uma ideia de como você se sente - exclamou o demônio. - Comparar a arte a algo divino é típico dos artistas arrogantes que se sentem como deuses. Isso é ridículo - esbravejou. - Porém reconheço a analogia poética da visão que o homem tem de Deus como um artesão que molda todas as criaturas a partir do barro e que sopra o fogo da vida dentro de cada um.
− Somos todas então obras imperfeitas e rejeitas pelo criador. Jogadas as traças - exclamou a prostituta.
− Eu penso desta forma também. E quer saber? - exclamou de forma jocosa enquanto se aproximava dela.
− Se eu fosse um escritor pediria que logo depois que as pessoas lessem meus romances que elas á queimassem em praça pública. Se eu fosse um pintor, gostaria que logo depois que acabassem as temporadas das exposições que todos os quadros fossem jogados nas avenidas mais movimentadas. Se eu fosse um compositor, pediria para que os mendigos embriagados fossem meus intérpretes. Se eu fosse um ator, atuaria apenas para plateias de pessoas cegas.
   Naquele momento a prostituta já não estava mais deprimida e já até sorria de novo, para a felicidade de Danubios também, que com o rosto bem próximo do ouvido dela disse:
− E se eu vendesse a minha carne assim como você. Entregaria-me de corpo e alma para todos, e tentaria  chegar ao orgasmo com cada um de meus clientes. Porque se o que você faz não lhe dar prazer, sugiro que troque de profissão ou se mate.
   
   A princípio a mulher se assustou e ficou fintando aquele olhar misterioso, mas que de alguma forma a encantava.
   A verdade é que ela havia se apaixonado por aquele homem elegante, inteligente e sarcástico que a levou nos últimos meses a situações e momentos prazerosos, diferentes, inéditos que naquele cotidiano tão enfadonho e infeliz funcionava como um entorpecente. Havia algo também naquele homem (para ela) que lembrava o seu irmão. O fato era que os dias passavam rapidamente e toda a noite os dois se encontravam para transar, passear, filosofar, enfim, namorar.
   
  O nosso demônio em suas anotações diárias parecia estar gostando da situação, ele realmente sentia prazer com ela, mas era um prazer diferenciado, esperava ansioso por cada encontro. Esta nova rotina não parecia entediante para ambos.
Algo era intrigante para Danubios, em suas anotações ele tentava explicar em formas de sonetos o que sentia por ela e quando fazia isso tentava entender como um ser tão ignóbil poderia chamar tanta atenção sua.  Já que por eras ele já havia se encontrado com figuras geniais, pessoas de maior relevância para a sociedade deles e mesmo assim nenhuma delas tinha trazido para ele estes sentimentos que ele poderia chamar de amor.
   
  Amor, este é o amor então? Esta vontade de expor o que sinto por ela no topo mais alto do mundo, sinto uma grande vontade de gritar e pedir desculpas ao meu pai. Sinto tanta vontade de chorar e olhar nos olhos dela e dizer que gostaria que ela fosse a criatura mais feliz e satisfeita, por que dentre tantas criaturas que andam por aqui ela foi a única quer me ensinou o amor sem nem precisar abrir a boca. Uma criatura mundana, sem nenhuma luz divina foi capaz de me fazer querer ser como eles, querer ser um servidor e não mais um negociador. Eu daria de graça todos os prazeres do mundo só para vê-la mais feliz...

− Mas você não conseguiu dar a felicidade para ela não é? Ela a rejeitou - disse uma voz que saía das sombras - era Lúcifer que caminha em direção de Danubios. Depois de anos o seu querido chefe estava lá pessoalmente para cobrar satisfações.


                                                                                     A seguir, conclusão.

terça-feira, 14 de junho de 2011